No próximo ano deverão entrar em construção quatro das novas barragens do Programa Nacional de Barragens de Elevado Potencial Hidroeléctrico (PNBEPH). Desde 2008, só a barragem de Foz Tua (EDP) entrou em construção e deverá entrar ao serviço em 2016. Irá somar-se aos dois reforços de potência que a empresa tem em curso e ainda a duas outras barragens em construção fora do PNBEPH. Todos estes projectos deverão ficar concluídos no próximo ano.
Num país onde o consumo de electricidade cresceu apenas 0,2%, em 2013 (depois de dois anos consecutivos de quedas) e deverá subir apenas 0,8% em 2015, fazem sentido novas barragens? Em Julho, o ministro do Ambiente, Jorge Moreira da Silva, lembrou que o Governo não foi o autor do PNBEPH, mas o Estado é o mesmo que recebeu as licenças das empresas (mais de 600 milhões de euros), e tem de fazer cumprir os contratos.
Mesmo perante as críticas de quem diz que as barragens só servirão para acomodar a produção das eólicas, Francisco Nunes Correia, ministro do Ambiente de José Sócrates que desenhou o PNBEPH, defende que “a ideia de que os consumos se vão reduzir muito é hipotética e idealista” porque as políticas de eficiência energética “só vão amortecer o crescimento futuro, mas não o farão desaparecer”. Insistir nas renováveis e “projectar a 50 anos é o que continua a fazer sentido” , sustentou.
Ana Estanqueiro, coordenadora da Unidade de Análise Energética e Redes do Laboratório Nacional de Energia e Geologia (LNEG) recorda que o PNBEPH, que considera “bem feito e adequado às necessidades nacionais”, foi desenhado num momento em que não se antecipava nem a enorme quebra de consumo, nem um “mercado de CO2 com preços tão baixos”. “As intenções eram boas”, porque o que fazia sentido era apostar nas renováveis para cumprir metas europeias e reduzir a dependência de combustíveis fósseis, explorando “a complementaridade natural” entre as características técnicas da produção hídrica e eólica. “Hoje somos dos países com um mix energético mais flexível pois é-nos relativamente fácil integrar produção eólica do ponto de vista da segurança de operação do sistema electroprodutor porque já temos a componente hídrica”.
Em 2013, o Plano de Acção para as Energias Renováveis (PNAER 2020), reviu as metas do anterior Governo devido ao “excesso de oferta” e à necessidade de aumentar o contributo das renováveis “numa lógica de racionalidade económica e de livre iniciativa dos promotores”. No PNAER continua a estimar-se que a potência instalada hídrica vai subir de 5861 MW em 2014, para 8940 MW em 2020, mas para as eólicas o cenário foi revisto em baixa de 8500 MW, para 5300 MW.
“Os melhores locais [para produção de electricidade eólica] estão tomados, mas Portugal continua a ter algumas localizações interessantes” e o processo de reforço de potência vai dotar os parques de equipamentos mais eficientes, lembra Ana Estanqueiro. A questão não está tanto na disponibilidade das localizações ou recurso (vento). Do ponto de vista do “equilíbrio económico é que começa a não haver espaço para todos, a não ser que o consumo volte a subir”, disse a especialista.
“Na ressaca de uma grande turbulência regulatória”, “a única coisa que está a ser analisada pelas empresas” nas eólicas é mesmo o reforço da potência instalada, disse ao PÚBLICO o presidente da Endesa Portugal, Nuno Ribeiro da Silva.
Quanto às barragens, seja pela dificuldade no financiamento, pelo baixo consumo, ou por o Governo ter mexido em mecanismos com a garantia de potência (compensação paga às centrais para se manterem sempre preparadas para produzir), têm estado longe de ser uma prioridade.
Na barragem de Girabolhos (Mondego), estão em curso “as expropriações e instalação de estaleiros” e a construção começará em 2015, disse Ribeiro da Silva. Além deste investimento (de cerca de 400 milhões de euros para 72 MW), deverá arrancar a construção das barragens da Iberdrola (Gouvães, Tâmega e Daivões com 1158 MW), num investimento de 1200 milhões. No lançamento dos projectos da Iberdrola, Moreira da Silva revelou que o contrato de concessão da barragem do Fridão seria assinado com a EDP em Setembro. O PÚBLICO questionou a empresa, mas não foi possível obter resposta. Das três barragens licenciadas à EDP, só Foz Tua está em construção, Fridão não tem data prevista e Alvito foi suspensa pela empresa e nem consta no calendário de novos projectos do PNAER.
Eduardo Oliveira Fernandes, que foi presidente da Agência de Energia do Porto, concorda que Portugal deve usar as renováveis para aumentar a electricidade no balanço energético. Mas se o PNBEPH “foi um excesso” e se “na hídrica o potencial é menor”, já nas eólicas “o potencial é gradativo, mas quase sem limite”, pois o investimento pode ser feito “em tranches”. “É claro que precisamos de ligações às redes [europeias]” para exportar mais e “não termos tantas centrais a gás paradas, que têm um custo muito elevado”, acrescenta.
Relativamente às barragens, questiona se terão sido “ponderadas com sentido de oportunidade” e diz que não terá sido por acaso que “as empresas se retraíram no investimento”. Por outro lado, nota que se está a interferir “com valores ambientais, cujo impacto não sabemos verdadeiramente”.
Em declarações recentes ao Expresso, o secretário de Estado da Energia, Artur Trindade, reconheceu que, perante um excesso de capacidade instalada, as novas barragens de bombagem devem ser olhadas como “a construção de megabaterias para o armazenamento de energia”. Mas Nuno Ribeiro da Silva diz que isso “não linear”, porque “o essencial em termos de negócio é jogar com as diferenças de preços entre as horas de ponta e vazio”. Dito de outra forma, à noite, quando há mais vento, mas menos consumo, e o valor da energia é mais baixo, a central terá capacidade de comprar a energia eólica a um custo muito mais baixo para repor a água nas albufeiras e depois produzir e vender a um valor de mercado muito mais elevado. “É teoricamente possível que estas unidades sejam consumidores líquidos de electricidade, admitiu”.
fonte:http://www.publico.pt/eco